Historiografia da Alimentação dos Baianos - Parte I
A alimentação, por sua importância para a
sobrevivência das populações, de forma mais ou menos acentuada,
estará sempre presente na produção dos historiadores. Assim, é que,
embora poucas sejam as obras específicas sobre a alimentação dos baianos, ela
estará presente em muitos outros
trabalhos de variada temática. O
meu propósito será dar ciência ao escrito que conheço sobre o assunto, com as edições de forma cronológica e de maneira
tão somente descritiva.
Thales de Azevedo é o autor que aparece
inicialmente com o seu clássico e premiado Povoamento
da Cidade do Salvador (Salvador: Editora Itapuã, 1969). A alimentação, nas
suas diversas facetas, aparece na terceira parte do livro – Aspectos ecológicos
da colonização – onde ele enfoca, entre outros aspectos, farinha, carne,
tabaco, condimentos, pão de trigo, jejuns.
Fidalgos e Filantropos. A Santa Casa de
Misericórdia da Bahia, 1550-1755, tendo como autor A. J. Russel-Wood (Brasilia: Editora da Universidade de Brasilia, 1981), é um livro abordando a
história da importante instituição na Bahia. Nada teria a ver com alimentação,
se não contivesse um documento inédito e raro, datado de 1749, sobre a comida
das internas, seus produtos e preços.
Ellen Melo dos Santos Ribeiro,
com Abastecimento
de Farinha na Cidade do Salvador (Dissertação de Mestrado em Ciências
Sociais da FFCH da UFBA, 1982), aparece como trabalho inaugural na UFBA, tendo
um produto alimentar sob perspectiva histórica. Versa sobre o período
1850-1870, demonstrando a importância da farinha na alimentação dos
soteropolitanos.
Segredos
Internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial 1550-1835 (São Paulo:
Companhia das Letras, 1988), de Stuart B. Schwartz, é uma pesquisa de amplo
espectro sobre a economia e sociedade do Recôncavo açucareiro. Sem grande
quantitativo sobre o assunto, importantes são as páginas que tratam da alimentação em
geral, especialmente a dos escravos.
Fidalgos
e Vaqueiros (Salvador: Universidade Federal da Bahia-Centro Editorial e
Didático, 1989), é uma versão ao estilo freiriano, da aristocracia dos currais,
da cultura do pastoreio. Assim como o genial
pernambucano, ficção e realidade, juntam-se para a produção de uma obra
singular e indispensável.
Kátia M. de Queirós Mattoso, aparece
com um dos mais importantes livros sobre a vida baiana no século XIX: Bahia. Século XIX. Uma Província no Império
(Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992). Trabalho de uma vida dedicada à
pesquisa, indispensável a quem pretenda entender da geografia, da família, do
Estado, da igreja, do cotidiano da produção e troca, do dinheiro dos baianos.
Vamos encontrar substancial material sobre alimentação, em especial nos livros
VI, O cotidiano dos homens que produziam
e trocavam e, no VII, O dinheiro dos
baianos, que aborda das atividades produtivas à farinha nossa de cada dia.
João José Reis, um dos grandes historiadores
da escravidão no Brasil, em seus vários livros, não deixa de apresentar
elementos sobre a alimentação. Já cedo, em 1993, na Revista USP- Dossiê
Brasil-África, nº 18, traz à luz “A
greve negra de 1857 na Bahia”, onde demonstra a importância dos ganhadores
na vida da “cidade da Bahia”, inclusive na comercialização de alimentos. Em
1996, na Revista de História, nº 135, o mesmo autor, em parceria Márcia
Gabriela D. de Aguiar, escrevem um instigante e elucidativo artigo denominado Carne sem osso e farinha sem caroço: o
motim de 1858 contra a carestia na Bahia. Embora discorram de forma consistente sobre as
disputas políticas econômicas, a questão básica mesmo é a comida, em relação à ausência, a qualidade e os preços.
O Trato dos Viventes. Formação do Brasil no
Atlântico Sul (São Paulo: Companhia das Letras, 2000), de Luiz Felipe de
Alencastro, é um livro que trata do
processo inicial de colonização da sociedade brasileira, abordando de
forma específica a participação dos grupos formadores, contatos e confrontos na
constituição da singularidade brasileira. Embora não sendo apenas sobre a
Bahia, oferece elementos significativos sobre a alimentação, que envolve os
“baianos”, da farinha ao tabaco, da banana à cachaça.
A
Conquista do Sertão da Ressaca: povoamento e posse da terra no interior da
Bahia (Vitória da Conquista: UESB, 2001), de Maria Aparecida Silva de
Sousa, mostra a irradiação da marcha
para o interior, com a pecuária tendo uma participação essencial no
abastecimento da província. A autora cita um trabalho da Maria Yeda Linhares (Pecuária, alimentos e sistemas agrários no
Brasil (séculos XVII e XVIII) Tempo. Revista do Departamento de História da
UFF, Rio de Janeiro, v.1, nº 2, p. 132-150, dez. 1996), que não li, onde ela
destaca dois movimentos fundamentais: a ocupação da terra e a produção de
alimentos voltados para atender os núcleos urbanos em expansão, associada à
criação de animais.
A. J. Russel-Wood, com seu Escravos e Libertos no Brasil Colonial (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005), oferece uma completa radiografia
sobre a escravidão no período colonial, com documentação primária concentrada
na Bahia. Pouco aparece a alimentação, porém, destaco a apresentação do
cultivo, desde 1560, do arroz africano
Oryza glaberrima, por escravos trazidos de Cabo Verde. Tem sentido ele não
avançar para a alimentação, na medida em que isso já havia sido feito por Barickman.
Continuarei
brevemente tratando dos historiadores da alimentação da Bahia.