O CHARME DA PESQUISADORA E DO HOTEL


Anos atrás dando um curso sobre alimentação, conheci uma aluna, Fabiana D´Angelo, em muito distante dos demais alunos, em relação ao conhecimento da temática do curso, pela ampla formação cultural, gentil, uma verdadeira lady. A partir daí firmamos uma sólida amizade, com muitas mudanças em sua vida: tornou-se arquiteta da UFBA e resolveu – me matando de raiva – fazer o Mestrado na Escola de Administração.
            Mas ela não me abandonou de todo, na medida em que resolveu estudar hotelaria – área que bem conhecia do seu passado como arquiteta – e algo específico na área: os hotéis de charme. Como sempre ela me surpreendia: eu lá sabia da existência de hotel de charme! Como tinha gente no meio, não demora e logo estávamos discutindo os aspectos metodológicos. Com a consistente orientação da professora Mônica Mac-Allister da Silva, no tempo certo apareceu a dissertação, com o título – O Charme dos Hotéis de Charme: um estudo sobre o charme para os usuários de hotéis de charme de Salvador, BA. E tive o prazer de estar na Banca Examinadora, juntamente com o paulista, Doutor pela USP, Airton José Cavenaghi.
            Logo, através de pesquisa direta com 12 membros do setor hoteleiro internacional, percebeu que o termo “hotel de charme” só era reconhecido, além do Brasil, pelos profissionais de Portugal, França e com significado semelhante (encanto) na Espanha, prevalecendo nos demais países, o termo “hotel boutique”pela experiência personalizada que este proporcionava. Este termo surgiu nos anos 80 do século passado, nos USA, através do grupo hoteleiro Morgans. Os proprietários compararam o hotel Morgan a uma boutique, uma proposta de desafiar a  tradicional “caixa branca” hoteleira, criando algo único, ousado, original, capaz de apelar para a sensibilidade do hóspede. A expressão ganhou maior visibilidade com a reinauguração em 1990 do Hotel Paramount, na Broadway, com decoração do famoso designer Philippe Starck. No Brasil, segundo episódios sobre o hotel boutique que apareceram no canal fechado Globosat,  esse conceito começou a se firmar nos anos 2000. Eram hotéis menores e que atraiam os hóspedes por seu caráter personalizado. Rogério Fasano, proprietário do Grupo Fasano, e de hotéis boutique, lista algumas características dos mesmos: os hóspedes procuram ser  tratados de uma maneira mais calorosa e mais próxima; não se pode pensar em hotel boutique ou de charme sem pensar em gastronomia; os restaurantes e bares são também frequentados pela população local, e o hóspede não se sente rodeado somente de turistas. Segundo vários autores, a popularidade desse tipo de hotel era uma reação ao turismo de massa predominante nos anos 1970.
            No Brasil existe uma Associação Roteiros de Charme, fundada em 1992,  que possui 70 hotéis e pousadas associados, em 16 estados e 64 destinos. Segundo texto da Associação, o conceito de charme é subjetivo significando uma união entre bom gosto, atenção com detalhes, paixão de servir, conforto compatível com as expectativas dos hóspedes, localização privilegiada, construção adequada ao meio ambiente e região, enfim, um conjunto de fatores que emprestam personalidade única ao local e ao próprio hotel.
     Volto ao trabalho de Fabiana, após o devido esclarecimento na introdução sobre o que é hotel de charme, ela realiza uma revisão da  literatura nacional e internacional sobre hotel de charme, espacialização e gastronomia em hotelaria. Em seguida apresenta a metodologia do trabalho, com uma mescla de técnicas para a compreensão do seu objeto. Daí a autora entra no seu real trabalho: a análise dos hotéis de charme existentes em Salvador vinculados à Associação Roteiros de Charme: Hotel Villa Bahia e Zank by Toque.
            Ela faz uma descrição dos hotéis e suas características: resumindo, são completamente diferentes, enquanto o Villa está no Pelourinho, no Terreiro de Jesus, em um prédio tombado pelo Patrimônio Histórico, possuindo no seu interior – descoberta na restauração – uma banheira judaica; o Zank está na Orla Marítima, no Rio Vermelho, em um casarão antigo de 1907, com vista para o mar. Entretanto, o seu trabalho vai além ao efetuar entrevistas com hóspedes, usuários dos restaurantes e funcionários. É aí que ficam marcantes as diferenças entre os serviços dos dois hotéis, tudo isso definido com toda a ética pela autora.
        Com domínio da escrita, excelente bibliografia, metodologia adequada, abre espaços para se pensar sobre a hotelaria e a gastronomia. O seu charme e do seu trabalho transformam-se em um modelo para futuros estudos sobre hotéis de charme.
        Após a apresentação do trabalho, a convite de Fabiana D´Angelo e seu marido, Ricardo, fomos apreciar o charme do restaurante do Villa Hotel. Não se enganam os queridos  gourmets – Aninha Franco e Dimitri Ganzelevich –, frequentadores assíduos do restaurante, quando divulgam a sua rara qualidade. Com excelente companhia, bons vinhos  e comida deliciosa, tive uma tarde maravilhosa. Viva o chef Guto Lago, que além de tudo esbanja simpatia. Ah, Fabiana, se todos os Mestres e Doutores fossem iguais a você. Juntar competência, generosidade e charme não é para todo mundo.         

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