Histórias do Futebol da Bahia

Uma rica história possui o futebol da Bahia. Apesar de, até então, ter sido esquecido pela Academia baiana, agora, graças ao espírito empreendedor da Diretora da EDUFBA, Dra. Flávia Goulart, nasceu a coleção É Futebol, iniciada com 4 livros, que serão lançados em breve, e serão o tema deste texto.
“Pugnas Renhidas: futebol, cultura e sociedade em Salvador (1901-1924) – Henrique Sena dos Santos
Eu sempre pensei que a Bahia, por sua decadência política na Primeira República, ausência de dinamismo econômico no período, além de sua configuração econômica, tinha especificidades que se refletiam na formação e desenvolvimento do futebol. Estava certo. Ao contrário do Rio de Janeiro, onde a presença de negros e pobres só ganha participação maior, e consistência, na década de 1920, na Bahia, a Liga dos Brancos, racista e classista, não dura nem 10 anos. Criada em 1904, cedo com a participação de clubes populares, os clubes de elite começaram a retirar-se. Assim, em 1913, os pretos, mestiços e pobres, não deixaram o futebol morrer, criando uma outra liga. Os jogos eram no Campo da Pólvora e no Rio Vermelho, então, em 1921, as elites pretenderam “civilizar” o futebol, inclusive criando o estádio da Graça. Os brancos “dançaram”, já era tarde, o futebol dentro e fora de campo já era do “povão”. O autor descortina a participação da Bahia no futebol nacional, apesar do menosprezo da então CBD. É aí que aparece a figura ímpar de Popó, “o preto de ouro”. É um livro sólido teoricamente, com farta documentação e rica iconografia. Henrique, com maestria, oferece uma leitura agradável, onde, assim como Popó, construiu um jogo “cheio de reviravoltas”.

“Futebol feminino na Bahia nos anos 80 e 90: fazendo gênero e jogando bola” Enny Moraes
Se é mínima a bibliografia baiana sobre o futebol masculino, imagine-se sobre o futebol feminino. Portanto, é um marco o livro de Enny sobre o futebol feminino. De Nelson Rodrigues a João Saldanha, futebol era coisa de macho. E quando começou a aparecer o futebol feminino, vinha o outro lado do preconceito: era coisa de “sapata”. Quanto sofreram nossas meninas, como mostra esse belo livro, até que, apesar de todo descaso da CBF, o Brasil formasse uma seleção que está no ranking das melhores do mundo. A autora aborda a formação das jogadoras baianas, desde Jequié, mas em especial em Feira de Santana. Preconceito, discriminação, na família e na sociedade, muito sofrimento, até que fossem respeitadas e ganhassem credibilidade, nas conservadoras e machistas cidades do interior da Bahia. Através de histórias de vida, a autora retrata as dores e alegrias das jogadoras. E, a partir daí, a história do futebol da Bahia se entrecruza com os primórdios da Seleção Brasileira. Ganha realce a a trajetória de vida de Solange, a “Soró” (de Luciano do Vale), convocada para a Seleção Brasileira, após testes em Salvador. Uma vida de lutas, de indecisões, de uma guerreira que teve que enfrentar até mesmo a discriminação das jogadoras baianas convocadas. Precedendo a geração de Marta, tiveram contra si os baixos salários, a invisibilidade, além de absurdos da CBF. O fundamental é que foram jogadoras, como Solange, que construíram, apesar de todos os percalços, as bases para as atuais conquistas do futebol feminino brasileiro. Enny, joga um bolão com seu texto, pelo ineditismo, pelo valioso conteúdo, rigor teórico e metodológico, envolvendo e emocionando o leitor, com um mínimo de sensibilidade.

BA-Vi: da assistência à torcida. A metamorfose nas páginas esportivas”Paulo Leandro 
                O autor adiciona  à sua carreira como reconhecido comentarista esportivo, a sua categoria como acadêmico. Paulo Leandro discute a institucionalização da torcida de futebol nas páginas esportivas de jornais de Salvador, Bahia, no período de 1932 a 2011. Utilizou como corpus uma coleção de 326 textos de cobertura de jogos entre Bahia e Vitória, confronto que ficou conhecido como BA-VI. Os torcedores escolhem as cores que correspondem ao time, posicionam-se em um mesmo local e, por meio do consumo de indumentária e símbolos identificados a um clube, sentem-se pertencentes à comunidade imaginada, formando uma só alma global. A torcida é identificada como um grupo capaz de alcançar uma sensação descrita pelos jornalistas como “delírio” e que corresponde a um êxtase na atitude de torcer coletivamente por um time de futebol. A bibliografia sobre torcidas no Brasil  já é ampla, do ponto de vista histórico e teórico, porém, não é o  caso da Bahia, daí a importância do livro. Com base nos resultados da pesquisa, pode-se dizer que os jornais fazem parte da realidade que institui a torcida, no sentido de agentes transmissores de informações, valores e princípios de inegável influência para a formação do perfil do grupo. Concluindo, por sua vivência no futebol, já antevê e questiona as mudanças no futebol e nas torcidas no reinado das “arenas”. É um livro para os rubro-negros e tricolores, onde, com densidade, o leitor, quase sempre torcedor, também chegará ao “êxtase”.

             Gingas e Nós. O Jogo do Lazer na Bahia” -  Jeferson Bacelar
             Já se passaram 25 anos quando este livro foi realizado. Em 1991, ele foi publicado pela Fundação Casa de Jorge Amado, com um generoso prefácio do amigo Antonio Risério. O futebol e a Boca do Rio, um bairro popular de Salvador, foram e continuam a ser minhas grandes paixões. O futebol, óbvio, minha maior fonte de lazer e onde encontrei grandes amizades, muitas – exceto as que já estão batendo um baba lá no Orum – mantidas até hoje; a Boca do Rio, por ser um local paradisíaco na minha juventude e mesmo na maturidade, com grandes amigos de futebol e farras. Como eu digo no livro, bons companheiros. Na  época, excetuando Roberto da Matta e uns poucos autores, pouco existia sobre futebol, e o que existia tratava do futebol profissional. Eu resolvi escrever sobre o “baba” (a pelada carioca e outras denominações pelo Brasil afora) na Boca do Rio. Terminou sendo um misto de antropologia urbana e do futebol. O bairro, a cidade, discriminação de classe e raça, luta e conquista, violência, festa, sofrimento e alegria. O baba é aberto a muitas leituras, onde a cultura pode aparecer como reprodução social e resistência. O baba é duro, como é dura a vida, onde os trabalhadores, plenos de derrotas e frustrações na vida cotidiana, descobrem nele, a possibilidade de serem vitoriosos e de se realizarem pessoalmente. Nessa edição, além de um mais que generoso prefácio de Cláudio Pereira, aparecem mais fotos do baba e da festa realizada em minha homenagem  pelo livro, além de um posfácio, sobre alguns aspectos concernentes ao livro e ao futebol, além de lembranças dos jogadores e amigos da Boca do Rio.

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