HISTORIOGRAFIA DA ALIMENTAÇÃO DOS BAIANOS - Parte II
Vou dar
continuidade à historiografia da alimentação dos baianos. O pior é que sempre
descubro uma coisa nova entre meus livros. Por exemplo, Antonio Guerreiro de Freitas e Maria Hilda
Baqueiro Paraíso, em 2001, pela Editora Editus, de Ilhéus, escreveram “Caminhos ao encontro do mundo. A Capitania,
os Frutos de Ouro e a Princesa do Sul. Ilhéus 1534 – 1940”. É um trabalho
que mostra a formação dos caminhos percorridos entre os séculos XVI ao XIX, a
partir do contato da frente colonizadora europeia com as populações indígenas
que habitavam a região. Os resultados já são conhecidos, conflito, genocídio,
dominação, e a transformação dos antigos habitantes em mão de obra essencial
para o enriquecimento dos colonizadores. Nos finais do século XIX, se estabelece uma nova estrutura econômica,
derivada da exploração da cacauicultura. E será em torno do “fruto de ouro” que
se consolidará Ilhéus, como a Princesa do
Sul. A partir desse livro, tenho certeza que, além das mudanças sofridas
pela região, muito já foi escrito sobre a região e a nobre fruta. Por exemplo,
uma gentil aluna indicou-me o Marcelo Henrique Dias, como um grande pesquisador
da região; consta entre seus livros, publicado pela editora Editus, em 2011,
“Farinha, madeiras e
cabotagem: a Capitania de
Ilhéus no antigo sistema colonial”.
Também me passou
o artigo de Mary Ann Mahony, “Instrumentos necessários” – escravidão e posse de
escravos no Sul da Bahia no século XIX, 1822-1889, publicado na Afro-Ásia,
25-26 ( (2001), 95-139. Além de salientar a presença da escravidão no Sul da
Bahia e sua relação com o cacau, ganha destaque a vida dos escravos e sua
respectiva alimentação.
Um Contraponto Baiano. Açúcar, fumo ,
mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860, de J. B. Barickman ( Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003). Na sua introdução ele já ressalta as suas
pretensões: desde Freyre havia um consenso que a formação das regiões litorâneas
brasileiras do Nordeste se assentavam no tríduo, monocultura, latifúndio e
escravidão. Isso determinou o que Maria Yedda Linhares chamou de “visão
plantacionista” do Brasil. Sem entrar em
detalhes, afinal é uma obra densa e muito bem documentada, o que ele demonstra
é que o Nordeste açucarino era muito mais que isso, pois os senhores de engenho
nunca monopolizaram o uso da terra. E que, sobretudo devido à alimentação,
criou-se um forte mercado interno, com personagens
os mais variados. Afinal, a colônia crescia e as pessoas precisavam se
alimentar. É um livro fundamental para quem pretenda estudar a história da
alimentação na Bahia.
“Pescadores e
baleeiros: a atividade da pesca da baleia nas últimas décadas dos Oitocentos,
Itaparica: 1860-1888, de Wellington Castelluci Junior, publicado na Afro-Ásia, 33 (2005),
133-168, demonstra, com pertinente documentação, a importância da baleia para a
vida econômica baiana. Não deixa de ressaltar, apesar da depreciação da sua
carne, a sua destinação para os escravos e a venda para os desclassificados
socialmente.
Mulher negra na Bahia no século XIX, de
Cecília Moreira Soares (Salvador: Eduneb, 2007 ) não é um livro específico
sobre alimentação, mas, importante sobre o assunto, pois as principais
atividades da mulher negra
concentravam-se no trabalho doméstico e como ganhadeiras, vendedoras de rua, em
especial de comida. Situada em Salvador, a pesquisa é bem documentada, trazendo
substancial contribuição à temática.
A Casa de prisão com trabalho da Bahia,
1833-1865, de Cláudia Moraes Trindade, Dissertação de Mestrado em História
Social da UFBA, 2007. Trabalho de
apurada pesquisa, onde a autora revela o que os presos comiam de acordo com os
dias da semana, a quantidade e qualidade dos gêneros, o que se comia em cada tomada
alimentar e os horários das mesmas, os utensílios, quem servia e outros
elementos atinentes à alimentação.
Falla-se todas as línguas. Hospedagem,
serviços e atrativos para os viajantes estrangeiros na Bahia oitocentista,
é uma dissertação de Mestrado em História Social da UFBA, 2007, de Olívia
Biasin Dias. É singular na temática, por abordar através dos viajantes
estrangeiros, os estabelecimentos de serviços, hospedagem e alimentação em
Salvador. A cidade da Bahia manteve-se, apesar dos altos e baixos da economia
como uma metrópole comercial. A partir de 1850, houve uma modernização
conservadora, advindo daí, para atender as novas demandas locais e os viajantes
brasileiros e estrangeiros, a criação e ampliação de equipamentos na área de
lazer, comida e hotelaria.
Claude Papavero
aparece com sua Tese de Doutorado em Antropologia Social da USP, em 2007,
denominada “Ingredientes de uma
identidade nacional: os alimentos na poesia de Gregório de Matos”. Trabalho de mão cheia, que voltarei a
falar, infelizmente ainda não transformado em livro. A autora, com competência
e sensibilidade, através da poesia do Boca do Inferno, abordou os costumes
alimentares dos que viviam na Bahia no século XVII.
Roque Felipe de
Oliveira Filho, com o artigo publicado na Revista do Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia, v. 104, 2009, faz uma análise das “Cadeias e presos da Relação da Bahia” (1750-1808). Nele discute a
questão da alimentação e apresenta trechos de um documento encontrado trinta
anos atrás, por Luiz Mott, sobre o cardápio de um prisioneiro no século XVIII. Recebi
o artigo através da generosidade de Cláudia Trindade. O autor adiciona
substanciais elementos sobre o cardápio, que foram utilizados no pequeno livro
da minha parceria com Mott, hoje já em fase de conclusão.
Maria Beatriuz
Nizza da Silva, consagrada historiadora luso-brasileira, vai e vem estar
publicando livros sobre a vida baiana no século XIX. Em 2005, já republicava
através da EDUFBA, “A primeira Gazeta da
Bahia. Idade D´Ouro do Brazil” e em 2010, aparecia “Bahia, a Corte da América” ( São Paulo: Companhia Editora
Nacional). O primeiro, uma descrição
sobre a vida baiana, sob a perspectiva do jornal, o que implicou em ampla
garimpagem em várias instituições brasileiras e na Biblioteca Nacional de
Lisboa. Já na Corte da América, temos um trabalho enciclopédico, com vasta
bibliografia e novos dados, sobre a Bahia oitocentista. E, em nenhum dos dois
falta remissão à questão alimentar no seu vasto espectro.
Erivaldo Fagundes
Neves, antes de escrever o seu seminal livro “Uma comunidade sertaneja: da sesmaria ao minifúndio (um estudo de
história regional e local)”, publicado pela Edufba e Uefs ( Salvador/Feira
de Santana, em 1998, já esboçava as suas preocupações sobre os sertões, a
diversidade regional e a presença da escravidão no interior da Bahia. Agora,
organiza uma expressiva coletânea, denominada “Sertões da Bahia. Formação
Social, Desenvolvimento Econômico, Evolução Política e Diversidade Cultural” (
Salvador: Editora Arcadia, 2011). Um livro de mais de 700 páginas, onde de uma
forma ou de outra sempre aparece a alimentação, mesmo de forma lateral,
sobretudo no que tange à produção e distribuição. Vou citar alguns artigos que
poderão auxiliar os historiadores da alimentação nos sertões da Bahia.
·
De Rio
Grande de Belmonte a Jequitinhonha: a conquista dos territórios indígenas e a
construção de um caminho para o comércio
entre a Bahia e Minas Gerais, (p.119 a 163), de Maria Hilda Baqueiro
Paraiso.
·
População e posse de escravos em Rio de Contas,
século XIX ( p. 165 a 199), de Kátia Lorena Novais de Almeida.
·
Curraleiro,
Crioulo, Peduro: a pecuária como fator da formação socioeconômica do semiárido (
p. 253 a 281), de Erivaldo Fagundes Neves.
·
“Sertão do Conselheiro”: dinâmica social e
transformações econômicas na comarca de Itapicuru ( século XIX ) ( p. 315 a
379), de Mônica Duarte Dantas.
·
Povoamento, produção agropecuária e trabalho
escravo na Comarca de Feira de Santana, 1850-1888 (p. 381 a 441), de Luiz
Cleber Moraes Freire.
·
O alto sertão da Bahia na guerra de Independência ( p. 495 a 524 ),
de Argemiro Ribeiro de Souza Filho. G) O
caboclo boiadeiro (p. 671 – 709 ), de Itamar Pereira de Aguiar.
De uma forma
geral, a historiografia baiana no que diz respeito à alimentação tem se voltado
mais para a produção e distribuição, sendo pobre no que tange à preparação,
consumo e modos à mesa. Como os historiadores tem vasta produção, ainda
voltarei a eles.
Aceito críticas e sugestões, se
por acaso tiverem dificuldade de colocar no blog podem enviar para o meu e-mail
BacelarJ@ufba.br
Ah, tenho outro blog para ser divulgado.
Para assuntos de ciências sociais, história e gastronomia, vocês já tinham o
excelente blog de Carlos Alberto Dória (
www.ebocalivre. blogspot.com), para ter uma
visão enciclopédica dos problemas de Salvador, política, arte, fotografias,
tudo em mais alto nível, já conheciam o blog de Dimitri
Ganzelevich. Agora, para uma visão apurada e consistente do mundo e religião
afro-brasileiras, recorram ao blog de Narcimária Luz (
http://blogdoacra.blogspot.com.br).