Ciência e Cultura na Cozinha


                Herald Mc Gee[1], publicou em 1984, um enciclopédico volume sobre  comida e cozinha,  mas que só tive acesso à sua edição revista e aumentada, traduzida para o português, em 2011. Gostei muito do livro, tendo sido proferido por um mestre da cozinha baiana que ele era o seu guia constante de consulta.  Sem fazer juízo de valor sobre as considerações do “homem da culinária”, não nego que ele incentivou-me a escrever algumas notas sobre a obra do americano.
 Como o próprio autor salienta, em 1984 ainda era novidade agregar ao mundo da cozinha, à culinária, os aspectos biológicos e químicos dos alimentos. Hoje, com propriedade ele diz, a ciência pôs o pé na cozinha e a culinária entrou nos laboratórios e indústrias. É um livro amplo,  mas que não cansa o leitor, seja pelo conteúdo histórico, curiosidades e caráter didático.  E quando não estiver interessado no cozinhar propriamente dito ou nos componentes biológicos ou químicos da alimentação, siga adiante, afinal, “cada qual em sua praia”. Já o pessoal que quer “por a mão na massa”,  embarque com avidez, até mesmo para reprová-lo.

           São quinze capítulos, a abrir horizontes para quem se interessa por alimentação. Começamos bebendo leite e comendo queixo. Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha? Harold Mc Gee é peremptório: o ovo já existia muito antes de existirem galinhas. Passamos então ao alimento mais prestigiado em todas as sociedades, a carne. Questões como saúde, controvérsias em torno da moderna produção de carne, os diferentes tipos de animais de corte, deterioração, estocagem e formas de cocção; concluindo com miúdos, misturas com carne e formas de preservação.  Chegamos ao mar, com seus peixes e frutos.  A  vida aquática, a natureza e a qualidade dos peixes. Os peixes que  comemos, suas formas de preparação: com cocção e sem a presença do calor. A mesma análise envolve  os frutos do mar, suas qualidades particulares, formas de preparação e preservação.  

           A partir do capítulo 5, entramos no reino vegetal, com as plantas comestíveis, através de uma introdução às frutas, hortaliças, ervas e especiarias. Salienta Mc Gee que os seres humanos sempre foram herbívoros e que o cultivo dos campos levou os homens a se fixarem, gerando as primeiras cidades e tornando possível  o cultivo da mente humana. Não é demais lembrar que os vegetais para sobreviver, imóveis e expostos aos rigores do clima eles se tornaram virtuose em química. No exame das hortaliças mais comuns, despontam as raízes e tubérculos – uma pena a fraqueza da abordagem da mandioca -, caules inferiores e bulbos, caules e talos, as folhas, as flores, os frutos usados como hortaliças, as algas marinhas, cogumelos e trufas. Entra no reino das frutas mais comuns, porém de forma sintética; deveria, com certeza, conhecer as frutas brasileiras. Mostra a natureza do sabor  dos temperos, com as ervas e especiarias; consumidas em quantidade mínima e sem maior valor nutritivo, mas mudaram o mundo, do gengibre à pimenta e, com destaque, o chá e o café. Após, somos introduzidos às sementes, aos cereais e às leguminosas, onde despontam: o trigo, o arroz e o milho, os legumes e os feijões.

              No capítulo 10 aparece o mais comum e conhecido de todos os alimentos, o pão. Além dele, temos os bolos, macarrões e massas. História e formas de uso são consistentes e sedutoras. Porém, todos os produtos apresentados até então requerem algo fundamental: os molhos. A sua finalidade básica é aperfeiçoar o ingrediente principal do prato. E com Mc Gee veremos a história dos molhos na Europa e a sua diversidade. Passamos aos açúcares, e por ser a doçura um (presumível) gosto inato dos seres humanos, os alimentos ricos em açúcar estão entre os produtos mais consumidos no mundo. Historicamente, doçura para uns, os europeus; destruição, para outros, os povos africanos. Neste capitulo, são dissecadas a história e a natureza dos açúcares, o mel, os bolos, os doces, além do chocolate.

             Após tanto comermos, vamos beber: o vinho, a cerveja e as bebidas destiladas. Pena que não conheceu a nossa cachaça e mesmo os nossos vinhos. Conclui o capítulo com  o vinagre, o qual parece-me deslocado entre as bebidas alcoólicas. Estamos chegando ao fim do livro, com um capítulo ( minúsculo) sobre o métodos de cocção e materiais dos utensílios de cozinha. Aí faltou fôlego ao autor nos assuntos abordados. No capítulo 15, o final, aborda as quatro moléculas básicas dos alimentos: a água, os lipídios, os carboidratos e as proteínas. Embora seja sumário, é expressivo, sobretudo para os leigos, em torno da composição química dos alimentos. E, para finalizar, coloca um apêndice com as noções elementares de química, expondo os atos, as moléculas e a energia. Reiterando, é um livro enciclopédico, pleno de informações sobre as relações entre a ciência e a cozinha. Com a sua pretensão e amplitude não poderia deixar de haver em determinados assuntos ou produtos certa superficialidade, além de uma perspectiva nitidamente norte-americana. No entanto, nada disso tira a sua importância, sendo livro indispensável a nutricionistas, antropólogos e cozinheiros. E para todos que se interessam por alimentação.   



[1] Mc Gee, Harold. Comida & Cozinha. Ciência e Cultura da Culinária. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011, 977 páginas.

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