Encontros Etnográficos sobre Alimentação I



                            
A realização de etnografias no campo da Antropologia da Alimentação é sempre uma tarefa árdua. No plano doméstico, exige a necessidade de penetrar no âmbito privado, no “chegar à mesa”, trabalho nem sempre fácil; no campo das empresas, maior ainda é a dificuldade, pelo temor dos empresários em relação à legislação vigente e pela imagem do empreendimento. Dai, no primeiro caso preponderarem as representações ou modos de pensamento ( verbalizações), enquanto no segundo caso, tem maior vigência a observação das práticas dos atores ou modos de ação. Isso tudo sem adicionarmos as circunstâncias da investigação e as idiossincrasias dos investigadores.            

Por isso gostei da coletânea organizada por Leo Coleman, intitulada Food. Ethnografic Encounters. ( London/New York: Berg, 2011 ), que se inicia com uma instigante introdução do autor, abordando desde  o que é uma etnografia da comida e as temáticas nela presentes – de certa forma, vinculadas aos artigos do livro –, dos encontros, locais, moral, reciprocidade, até segurança alimentar. Vou apresentar sinteticamente alguns artigos e as questões ou problemas que levantam para os antropólogos.

Começo com o artigo de Ana Meneley, Comida e moralidade no Yemen.

A pesquisadora ficou doente do estômago, gerando dificuldades evidentes no seu trabalho de campo. A segregação de gênero nas praticas alimentares. A importância da generosidade hospitalidade. A prática de não falar durante  as refeições. A recusa da comida como uma ofensa. A importância da comida de camelo. Qat é uma folha que contém suave anfetamina: cada convidado traz seu qat. Mada´a  é um grande tubo de água em que fumo não-curado é aspirado. “Você mastiga Qat, fuma o mada´a, se veste modestamente, usa khalas, agora você é uma yemen”. Aquele que bebe álcool é uma pessoa ruim. Ela teve problemas com o Ramadã. Confessou que bebeu água e elas disseram entender: “os ocidentais são fracos para serem muçulmanos”. A comparação com a comida americana – conhecida em todo mundo –, é considerada  incompreensível e sem importância para os muçulmanos do Yemen.

Penny van Esterik. Revisitando a comida do Lao: dor e comensalidade

É um artigo que analisa as dificuldades de adaptação do antropólogo a um sistema alimentar diferenciado, marcado por insegurança nutritiva. Fica uma questão no ar: deve o antropólogo participar da forma de comer de outros povos ou ser apenas um analista? Se não participa pode ser uma ofensa, podendo inclusive impedir a realização da investigação. Se participa, pode correr o risco de ficar doente. Lembro do caso do antropólogo baiano Júlio Braga, que, ao participar de uma refeição comunal na Nigéria, teve uma forte infecção intestinal, que provocou o seu retorno ao Brasil.

Christophe Robert. Vegetariano comendo na China.

É uma situação complexa: o investigador é vegetariano. Algo que se distancia inteiramente das formas apropriadas de comer para um homem na China. Ele recebe o apelido curioso de um astro local gay: já é um indicio da sua condição. Ele vive entre as mulheres, pois o vegetariano se contrapõe ao ideal de virilidade local. 

Voltarei na próxima semana, ainda com os encontros etnográficos.

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