ENCONTROS ETNOGRÁFICOS SOBRE ALIMENTAÇÃO II
Dou
continuidade a artigos da coletânea organizada por Leo Coleman. Food.Ethnographic
Encounters. London-UK/New York,-USA: Berg, 2011.
Claire Nicholas. Cuidado fora da cozinha: cozinha e poder em uma residência
marroquina.
É um estudo sobre uma cooperativa de tecelãs e suas
famílias. A autora viveu em uma família
chefiada por uma mulher, sendo ela e sua filha mais velha tecelãs; já os
afazeres domésticos eram de competência da filha mais jovem. No aspecto
concernente à comensalidade, existia uma divisão equitativa. Porém, o
fundamental no artigo é a discussão levantada por Nicholas sobre a sua condição
como observadora-participante. Ela vivia na casa, pagando pelo abrigo e pelas
refeições. Eis os problemas. A apropriação da pesquisadora pela chefe de
família, inclusive restringindo as suas relações com as mulheres das outras
famílias. A comida aparece em duas situações, gerando constrangimento: 1) a
tentativa de inovar o cardápio; 2) quando doente, comprou granola. O que se
explicita é a dificuldade de uma pesquisadora americana, considerada rica,
pagando pouco e com uma pesquisa ininteligível. E a frustação da pesquisada
sobre os possíveis benefícios que adviriam da “estrangeira”.
Kathleen C. Riley. Aprendendo a trocar palavras por comidas
no Marrocos
Trabalho de campo nas ilhas Marquesas, na Polinésia Francesa.
A autora buscava estudar a socialização pela linguagem para a obtenção de
alimentos. Segundo ela, quando somos crianças, a socialização pela linguagem
envolve, primeiro, o aprendizado de como trocamos sons por comida, e, após,
comida por palavras. E este aprendizado ocorre diferencialmente nas diversas
culturas, via diferentes linguagens em todo o mundo. Nas Marquesas se vive basicamente
de fruta-pão e peixe, sendo o porco muito apreciado. Ali, as crianças são
socializadas no contexto de duas culturas e línguas: a Polinésia indígena e a
França colonial. Riley percebe as mudanças pela penetração dos costumes
franceses, inclusive a transformação dos ritos de hospitalidade, devido à
presença do dinheiro. Ela aponta a dificuldade para entender como as crianças
vinham a adquirir comida e, mais ainda, de ser aceita no grupo que pretendia
pesquisar. Com persistência, conseguiu finalmente estabelecer uma rede de
relações com as famílias e, em especial,
com as crianças. Ela observou que à proporção que as
crianças adquiriam competência linguística e conhecimento cultural, elas
aprendiam como se engajar no dar e receber comida. Recursos de comunicação,
específicos morfemas para instâncias pragmáticas, assinalavam o local e
socializavam a compreensão de como alimentos e falas jogavam um papel
fundamental na vida em sociedade. Enfim, a autora para realizar a sua pesquisa
foi adotada por um membro da comunidade, assim como também ganhou semi-competência linguística –
indispensável para a sua abordagem da realidade.
Leo Coleman. Guia para uma leitura mais adiante.
É uma síntese dos estudos contemporâneos sobre a comida,
consoante as variadas temáticas. 1. Comida para pensar; 2. Consumo e política;
3. Fome, desejo e desgosto; 4. Globalização e consumo; 5. Estabilidade e
mudança; 6. Substâncias e sentidos. Tudo
isso acompanhado por uma bibliografia atualizada sobre as temáticas propostas.
Muito mais poderia ser dito sobre outros artigos do livro,
mas isso fica para o leitor interessado no assunto.