Notícias da Província



                                      CORUJEBÓ!  CRUZ CREDO.

Vilson Caetano de Sousa Júnior tem se destacado pela produção contínua e de qualidade sobre a religião afro-brasileira. Sem se afastar inteiramente da sua temática básica, parte para outras plagas: a repressão policial aos candomblés da Bahia. Inova ao intitular seu livro Corujebó: Candomblé e Polícia de Costumes ( 1938- 1976)  (Edufba, 2018). Como não sou do ramo, sabia lá eu que diacho era Corujebó! Via Yeda Pessoa de Castro e José Beniste, contidos no livro de Vilson Caetano, vim a saber que a expressão é uma corruptela da expressão iorubá “akirijebó” que irá significar um itinerante, alguém que irá trilhar todos os caminhos, a fim de entregar, jogar, “arriar a oferenda”. Isso foi a forma que o autor encontrou para demonstrar que de maneira sábia, apesar de toda a perseguição, o candomblé resistia, mantendo um dos componentes fundamentais da vida baiana.
Mas, se o título é interessante, o mais importante são as fontes utilizadas – a documentação policial – e o período abordado, ou seja, a partir dos finais da década de 1930. Já tínhamos os excelentes trabalhos de Júlio Braga e Ângela Lühning e de Ângela Lühning – Na Gamela do Feitiço e Acabe com este santo, Pedrito vem aí ... – (sem falar os outros, também de qualidade, sobre a repressão no interior da Bahia) utilizando-se basicamente de material jornalístico e enfocando o período pré-1950. O avanço temporal, no mínimo, nos ajuda a perceber que, sobretudo os candomblés e personagens “periféricos” socialmente, continuaram a ser perseguidos ou incomodados até a década de 70.
Em cinco capítulos, temos um trabalho denso, fruto de substancial pesquisa, abarcando mais de 40.000 páginas dos livros de Ocorrências e Registros de Queixas da Delegacia de Costumes da Bahia e de outras Delegacias de Policia. Deve ser salientado o que eu chamaria de micropolítica,  ao pautar toda a análise em grupos e especialmente indivíduos, alguns já conhecidos superficialmente, enquanto outros, até o seu livro, inteiramente anônimos. Daí, sem nenhum demérito, a ausência da grande política, sem esquecer que esta não existe sem essas micro-injeções, pequeno voos reagentes, que mais cedo ou mais tarde são dela criadores, chegando a atingir  as classes, os movimentos sociais e o Estado.
Começa com a formação da Delegacia de Especial de Jogos e Costumes – e posteriormente a estruturação da Secretaria de Segurança Pública – e as suas diversificadas funções, incluindo-se, óbvio, a perseguição aos candomblés. O capítulo seguinte aborda três processos, frutos de delação, envolvendo do batuque ao curandeirismo, em outras Delegacias.  No terceiro capítulo, aparecem as “ocorrências”, oferecendo uma nova visão sobre os locais – concentrados na “cidade que não se via”, em especial São Caetano e cercanias, assim como o número de ocorrências. Destaca comissários preocupados com o candomblé. E mostra o novo cenário a partir de 1950, relacionando as transformações sócio-culturais, aos diversos casos envolvendo figuras do candomblé. A seguir, caminhamos ainda entre queixas, atabaques e bozós, com situações que envolvem até a nossa saudosa Mãe Menininha.
No último capítulo, o mais longo e que mais gostei – “Procurando gente, que a gente esqueceu” – considero magistral, por oferecer um conjunto expressivo de atores, com a sua respectiva história social. Gente como o abastado Procópio José de Souza; o “protegido” Manuel Rufino de Souza envovido em confuso caso; as estórias e a história do terreiro ijexá de Língua de Vaca, fonte de investigação de vários intelectuais, de Donald Pierson a Roger Bastide; a história-de-vida de Júlia Bugan, de singular importância para o candomblé da Bahia,  fundadora de Língua de Vaca; a famosa Sabina e as controvérsias em torno da sua não-ortodoxia. Para matar de raiva os “legitimados”, o local do candomblé é conhecido ainda hoje como “roça da Sabina”. E, enfim, entre tantos outros casos não-citados, a situação do popular Neve ( ou Neive? ) Branca e o entrevero de um seu importante filho de santo com o Presidente da Federação do Culto Afro-Brasileiro.  Vale salientar que um dado revelado por Vilson Caetano é a importância financeira do candomblé para a Polícia.

Apesar da vasta documentação, a escrita fácil e solta do autor, envolve e conduz o leitor a prosseguir o trabalho de “detetive” de Vilson  Caetano. Torna-se assim, um livro indispensável aos preocupados com a repressão e luta dos candomblés, bem como àqueles que se interessam pelos personagens que fizeram o real povo brasileiro.      


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No dia 8 de janeiro será lançado o e-book de Sabrina Gledhill, sobre Booker Washington e Manuel Querino. O local será o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, às 17 horas. O seu orientador e autor do prefácio, Jeferson Bacelar, estará presente e dirá algumas palavras sobre o brilhante trabalho.

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