NOS CAMINHOS DE UM GÊNIO

              Hoje, 3 de fevereiro, domingo,  junto com meu personal trainer, Morais, meu cachorro, preto como a noite, pequeno, tirado a valente e abusado, numa manhã linda, já com o sol aparecendo, fomos a nosso passeio matinal, em um dos cenários mais belos do mundo a Barra, com seu imponente farol, que Morais como todo esteta, não deixa de circundá-lo para vermos do alto extasiados a nossa deslumbrante baía e a ilha de Itaparica. Descemos e começamos a nossa caminhada até o Porto da Barra, onde meu parceiro encontra suas namoradas, enquanto eu, além dos amigos, paro para bater o papo diário com a doce Glícia e voltamos para casa. É o meu prazer diário, nesta Salvador tão dessemelhante.
            Como estou de folga e de bom humor, resolvi escrever sobre um dos meus autores preferidos. Lembrei também que já teve imbecis dizendo ser Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, e até Ulisses, de Joyce, medíocres. No caso do meu genial autor, Marcel Proust,  não esqueci que um colega acadêmico disse que o havia lido em francês e era literatura menor e chata. Sem  comentários.
                 A maioria dos autores citam a “madeleine” (madalena) presente No Caminho de Swamm. Muitos nem sempre o leram.  Evidentemente que gosto de todos os seus livros, mas escolhi para falar alguma coisa sobre aquele em que ele expõe assuntos básicos da sua concepção sobre a vida: O Tempo Recuperado ( Tradução e Apresentação Fernando Py. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014.Saraiva de Bolso) Embora volte a abordar o homossexualismo masculino, o sadomasoquismo e a perversão, não foi isso que mais me interessou. E sim o tratamento do tempo e da memória (ele relata outros exemplos de memória involuntária, mostrando as similaridades com a madalena), a sua concepção sobre a literatura – “a única vida plenamente vivida é a literatura” -  o envelhecimento – “Alguns a enfrentam com indiferença, não porque sejam mais corajosos que os outros, mas por terem menos imaginação”. – as novas gerações e  o passado – “Esse  vivo esquecimento, que tão depressa recobre o passado mais recente”   - , concluindo com a morte. Enfim, espero que também não se chateiem.
O outro livro que adorei foI Uma Noite no Majestic, de Richard Davenport-Hines( Rio de Janeiro-São Paulo: Editora Record, 2007) . O livro começa no dia 18 de maio de 1922, com um jantar num restaurante  privado no Majestic, hotel de  luxo, na Avenida Kléber. Os anfitriões eram um casal inglês rico, culto e cosmopolita: os Schiff. A festa foi preparada para comemorar o balé de Stravinski, Le Renard, sendo convidados do mundo artístico 40 a 50 pessoas. Porém, o seu real objetivo era reunir os quatro homens que ele mais admirava: Picasso, Stravinski, Joyce e Proust. Só  o jantar, com um menu especial para agradar Proust, os personagens, as suas extravagâncias e fofocas já valem o livro. Quem de nós não gostaria de estar presente? As restantes quase 300 páginas é uma imperdível biografia de Marcel Proust.  Vida e obra relacionadas, sobretudo em relação a sua sexualidade.
            Em sua maioria, em especial no Brasil, os trabalhos sobre a comida de certos autores, é superficial e sem maior significado. Vivaldo da Costa Lima dizia que belas e grandes edições ( o tamanho do livro) eram especialmente feitas para decorar as mesas dos novos ricos, dando uma imagem que eram alfabetizados. Fazem falta as suas ironias. O livro que vou falar tem capa dura, maior um pouco que o normal, e desejo que seja comprado por todos, até pelos novos ricos.  Anne Borrel, Jean-Bernard Naudin e Alain Senderens, escreveram À Mesa com Proust, uma obra que revela, na contra-capa, que ele “conhecia tanto o poder evocativo dos sabores como o das palavras”. É um livro onde a sua trajetória de vida é acompanhada pelos prazeres da mesa. Texto sofisticado de quem realmente conhece a sua obra, belíssimas ilustrações, concluído com 60 receitas. Magistral, livro para alegrar os sentidos e a alma.
         No fim destas letras, voltei à realidade: um vinho de qualidade no máximo média e um bacalhau, muito distante dos modos de preparação portugueses.  É a vida, Proust nunca me convidou para almoçar com ele.

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